A ausência de Cristo e a promessa da paz — entre a Noite da Fé e o novo alvorecer da Igreja

A Ceia em Emaús. Caravaggio, 1601.

3º Domingo depois da Páscoa
11 de maio de 2025

📖 Evangelho (João 16, 16–22)

Conforme o Missal Romano de 1962 (tradução litúrgica em português da edição de 1957)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: ‘Por um pouco de tempo não me vereis; e outra vez, por um pouco de tempo, e ver-me-eis, porque vou para o Pai’. Diziam, pois, alguns dos seus discípulos uns para os outros: ‘Que é isto que nos diz: Por um pouco de tempo não me vereis, e outra vez, por um pouco de tempo, e ver-me-eis, porque vou para o Pai?’ Diziam, pois: ‘Que quer dizer com esse “pouco de tempo?” Não sabemos o que Ele quer dizer’.

Jesus conheceu que o queriam interrogar, e disse-lhes: ‘Isto indagais entre vós, porque vos disse: Por um pouco de tempo não me vereis; e outra vez, por um pouco de tempo, e ver-me-eis? Em verdade, em verdade vos digo: ‘chorareis e lamentar-vos-eis, mas o mundo se alegrará; vós estareis tristes, mas a vossa tristeza se converterá em alegria. A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque chegou a sua hora; mas depois de dar à luz o menino, já não se lembra da aflição, pela alegria de ter nascido um homem no mundo. Assim também vós: agora, na verdade, estais tristes, mas tornar-vos-ei a ver, e o vosso coração se alegrará; e ninguém poderá tirar-vos a vossa alegria’.

🕯️ II. Meditação Carmelita: A promessa escondida na ausência

Quando Deus se retira, Ele está mais perto do que nunca.

Agora estais tristes...” (Jo 16,22). Eis o diagnóstico exato da alma no exílio. A tristeza de quem ama e sente o vazio deixado por uma presença que não se deixa mais tocar, nem ver, nem sentir. É uma ausência que corta. Mas é também uma ausência habitada, grávida, fecunda. Porque logo em seguida, o Senhor diz: “...mas tornar-vos-ei a ver, e o vosso coração se alegrará.”

Essa promessa — e somente ela — sustenta a alma carmelita. Porque o Carmelo, mais do que um lugar, é uma geografia do silêncio, um deserto interior onde a ausência de Deus é o campo de batalha entre a fé pura e a tentação de desistir.

Na vida mística, o desaparecimento de Deus é tão real quanto a Sua presença. Quando Ele se cala, a alma descobre do que realmente vive. Descobre se ama a Deus ou se ama as Suas consolações. E nesse momento, o Carmelo não foge. Não busca substitutos. Não corre atrás de luz artificial. Ele permanece.

Firme. Nu. Ardendo no escuro.

São João da Cruz nos guia nesta noite como um farol que arde em fogo oculto:

“Quando a alma chega ao ponto de nada querer, nada saber, nada ter — então Deus mesmo se faz tudo para ela.”

A alma que ama assim, sem garantias, sem sinais, sem ternura sensível, começa a amar como Deus ama: com liberdade total.

Esse é o amor de cruz. Amor eucarístico. Amor pascal.

Quando a alma perde o chão da experiência sensível de Deus, e mesmo assim continua dobrando os joelhos, mesmo assim continua rezando o Ofício, mesmo assim beija o crucifixo antes de dormir, ela está ressuscitando com Cristo. Não no esplendor de glória, mas no escondimento fecundo da noite santa.

Santa Teresa d’Ávila, ao falar das secas da oração, diz algo desconcertante:

“Mesmo quando não consigo dizer nada a Deus, continuo ali com Ele, como um pobre diante do Rei.”

O Carmelo sabe que essa permanência silenciosa vale mais que mil êxtases. Porque nesse deserto, a alma aprende a amar com as entranhas, com o sangue, com a decisão. É a fidelidade cravada na rocha, e não na brisa suave.

E a Igreja? A Igreja também passou por essa noite. O mundo esperava. O trono de Pedro estava vazio. Corações divididos, medos sussurrados, esperanças guardadas como brasas em cinza.
Mas eis que hoje ela ouve novamente:

“A paz esteja com vocês.”

Leão XIV — filho de Santo Agostinho, pai dos corações inquietos — sobe ao timão da Barca como que vindo do seio da noite com uma tocha acesa: paz humilde, palavra desarmada, evangelho com os pés no chão.

“O mal não prevalecerá”, disse ele. E não disse por triunfalismo — mas por fé forjada no silêncio.

Santa Teresinha, mergulhada no seu abismo de trevas interiores, foi capaz de dizer:

“Amo as trevas da minha alma, porque nelas vejo o rosto de Jesus escondido.”

Isso é Carmelo. Isso é Páscoa vivida com Cristo ausente.

Não precisamos sentir a alegria para crer nela. Não precisamos ver o Esposo para continuar bordando o enxoval da eternidade.

Hoje, enquanto os sinos da eleição ressoam, o Carmelo ouve algo mais profundo:

“Em breve me vereis…”
Essa palavra não é só litúrgica. É profética. É existencial. É mística.

A Igreja caminha entre dois tempos: o do “não me vereis” e o do “me vereis de novo.”
Quem perseverar no meio — no tempo do escuro — terá uma alegria que ninguém poderá tirar.

E isso é promessa. Promessa do Cristo.
E a alma carmelita vive de promessa.

Ir. Alan Lucas de Lima, OTC
Carmelita Secular da Antiga Observância

📖 Referências Bibliográficas

Bíblia Sagrada:

  • João 16,16-22 – Locução do Evangelho do 3º Domingo depois da Páscoa, segundo o Missal Romano edição de 1957.
  • João 20,19 – Saudação pascal de Cristo Ressuscitado.

São João da Cruz:

  • Subida do Monte Carmelo, Livro II, caps. IV–VII.
  • Noite Escura da Alma.
  • Ditos de Luz e Amor – Aforismos místicos sobre o desapego e a purificação da fé.

Santa Teresa de Jesus (d’Ávila):

  • Livro da Vida, caps. 8–9.
  • Caminho de Perfeição, caps. 29–31.

Santa Teresinha do Menino Jesus:

  • Manuscritos Autobiográficos, especialmente Ms C, 5rº – Carta à Madre Inês (1897).

Elisabeth da Trindade:

  • La Nuit et la Lumière – Reflexões sobre o mistério da presença oculta de Deus.

Jean Guitton:

  • O Silêncio de Deus – Meditações sobre a ausência como pedagogia espiritual.

Catecismo da Igreja Católica:

  • §§ 271–273 – O silêncio de Deus e a fé purificada.

As Primeiras Palavras de Leão XIV, a Roma e ao Mundo (2025) – Palavra inaugural do Papa eleito, contextualizando o momento eclesial presente.

Missal Romano segundo as rubricas de 1962:

  • Evangelho proclamado para o 3º Domingo depois da Páscoa (tradução de 1957).