Gerados pela Palavra, sustentados pela confiança: a oração dos pequenos que tocam o coração do Pai

Pintura de Szymon Czechowicz, 1758.

5º Domingo depois da páscoa
25 de maio de 2025

🕊️ Introdução

A Liturgia do V Domingo depois da Páscoa nos abre uma porta luminosa: a oração, quando nascida da fé no Filho, toca o Coração do Pai. A promessa de Jesus no Evangelho — “Se pedirdes ao Pai alguma coisa em meu nome, Ele vo-la dará” — não é um cheque em branco, mas uma convocação à infância espiritual, ao abandono confiante, à união silenciosa com a Divina Vontade.

Tiago, na Epístola, diz que fomos “gerados pela Palavra da verdade como primícias de suas criaturas”. Eis o fundamento da nossa oração: somos filhos gerados por Deus, sustentados por Sua Palavra viva, e chamados a orar como filhos pequenos, não como mercenários da graça.

No Carmelo, essa verdade se encarna com força. Santa Teresinha nos ensina que a confiança move montanhas — mas montanhas interiores, aquelas que impedem o amor de Deus de nos alcançar. Santa Teresa Margarida Redi viveu escondida no Coração de Jesus com tal abandono que sua vida inteira foi uma única súplica silenciosa. E Santa Elisabete da Trindade nos lembra que a Palavra de Deus não é apenas ouvida — é habitada.

A oração do Carmelo é assim: gerada no silêncio da Palavra, sustentada pela confiança dos pequenos. Não é técnica, nem fórmula, nem discurso. É presença amada que toca o Infinito com mãos vazias.

Evangelho do V Domingo depois da Páscoa

📜João 16, 23-30 (locução do Evangelho segundo a tradução litúrgica de 1957)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes ao Pai alguma coisa em meu nome, Ele vo-la dará. Até agora nada pedistes em meu nome: pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa. Disse-vos estas coisas em parábolas. Vem a hora em que não vos falarei mais em parábolas, mas abertamente vos falarei do Pai. Naquele dia pedireis em meu nome, e não vos digo que rogarei ao Pai por vós: pois o próprio Pai vos ama, porque vós me amastes e crestes que saí de Deus. Saí do Pai e vim ao mundo; novamente deixo o mundo e vou para o Pai.” Disseram-lhe os seus discípulos: “Eis que agora falas abertamente e não por parábolas. Agora sabemos que sabes tudo e que não necessitas que alguém te interrogue. Por isto cremos que vieste de Deus.”

🌿 Meditação Carmelita

Somos gerados pela Palavra…

“O próprio Pai vos ama, porque vós me amastes e crestes que saí de Deus” (Jo 16,27).
Essa frase contém todo o DNA da oração cristã — e, no Carmelo, ela ganha carne e osso na vida dos santos. A oração é possível porque somos amados. E somos amados porque fomos gerados pela Palavra, como diz São Tiago. No Carmelo, isso não é metáfora: é realidade mística.

Santa Teresa d’Ávila nos ensina que “a oração mental, a meu ver, não é senão tratar de amizade com Aquele que sabemos que nos ama.” Se somos gerados pela Palavra, é porque a Palavra nos deseja como filhos. A oração é, portanto, um retorno filial ao útero do Verbo. Não se trata de falar muito, mas de estar diante do Pai com o coração em chamas e o silêncio de quem tudo espera.

Santa Elisabete da Trindade, que via a oração como “ser habitada por Deus”, dizia:

“A alma recolhida, silenciosa, ouve no fundo do seu ser a Palavra Eterna que a gera continuamente para a luz.”

Essa geração não é pontual. É contínua, é fogo que nunca dorme. Por isso, a oração, no Carmelo, não começa com pedidos, mas com escuta, com presença consentida, com silêncio que gesta Deus.

…sustentados pela confiança

A confiança é a seiva da oração carmelita. Se a Palavra nos gera, a confiança nos sustenta. Sem confiança, a alma reza como servo; com confiança, reza como filho. Santa Teresinha fez disso seu evangelho pessoal:

“É a confiança e nada mais que nos deve conduzir ao Amor.”

Ela ousou chamar Deus de “Papai” quando tudo em sua vida gritava ausência. E isso é profundamente carmelita. A alma orante do Carmelo não é forte — é frágil e entregue. Santa Teresa Margarida Redi, a “Pequena Teresa da Itália”, escreveu em seu leito de dor:

“Eu não tenho forças. Mas o Coração de Jesus me sustenta. Nele me escondo.”

Eis aí a escola carmelita: oração como escondimento no Coração de Cristo, confiança como forma de viver a impotência, pequenez como linguagem que o Pai entende. A oração que toca o Coração do Pai é a que abandona a ilusão de merecer e se lança na certeza de ser amado.

A oração dos pequenos que tocam o Coração do Pai

Quem são os pequenos? Aqueles que não negociam com Deus, que não exigem sinais nem respostas rápidas, mas que se ajoelham dentro da alma e dizem: “Pai, faça-se a tua vontade.” No Carmelo, a oração dos pequenos não é passiva — é ardente, silenciosa e obediente. É o que Santa Maria Madalena de Pazzi chamava de “oração inflamada no abandono”.

Esses pequenos, como Teresinha, como Teresa Margarida, como Elisabete, tocam o Coração do Pai não com palavras, mas com a vida oferecida. São orações vivas, mais do que vozes. São como brasas escondidas sob a cinza, sustentando o mundo com sua fé calada.

Orar como carmelita é isso:

  • não pedir para ser visto,
  • não implorar por respostas humanas,
  • mas viver da Palavra que gera
  • e confiar no Pai que sustenta.

A oração verdadeira é como a infância: confia mesmo no escuro.

Ir. Alan Lucas de Lima, OTC
Carmelita Secular da Antiga Observância

📚 Referências Bibliográficas

  • Santa Teresa de Jesus, Livro da Vida, cap. 8-10.
  • Santa Teresinha do Menino Jesus, Manuscritos Autobiográficos, Caderno B.
  • Santa Teresa Margarida Redi, Cartas e Escritos Espirituais.
  • Santa Elisabete da Trindade, Últimos Retiro e Cartas.
  • São João da Cruz, Ditos de Luz e Amor, nº 37.
  • Bíblia Sagrada (Vulgata Latina; Evangelho segundo João 16, Epístola de Tiago 1).