Deixar-se atrair pelo Alto: a Ascensão e o Êxodo da alma

Ascensão do Senhor
29 de maio de 2025
Introdução
«E o Senhor Jesus, depois que lhes falou, foi levado ao Céu, e está sentado à direita de Deus.» (Mc 16, 19 – Missal Romano, 1957)
A Ascensão do Senhor não é fuga celestial nem evasão
glorificada. É missão cumprida, é retorno ao Pai, mas também é convite à alma
para um êxodo espiritual. Se Ele sobe, é para nos atrair; se Ele parte, é para
preparar lugar; se Ele se oculta, é para que o busquemos com mais sede.
A liturgia nos apresenta a imagem do Cristo que, após
instruir os discípulos, se eleva aos Céus. A nuvem o encobre, mas não a fé. A
fé vê mais do que os olhos enxergam: vê que Ele permanece, invisível, mas real,
como fogo de brasa sob cinza.
No Carmelo, essa cena é mais do que simbólica — é concreta
na vida de oração. A alma que deseja Deus precisa subir. Precisa, como
diz São João da Cruz, “sair de tudo o que não é Deus” para que Deus seja “tudo
em todos”. A Ascensão é, assim, uma provocação ao abandono, ao desapego, ao
êxodo interior que leva do ego ao Eterno.
Não se trata de “espiritualismo” desencarnado, mas da mais
pura realidade sobrenatural: a vocação cristã é celeste. O Céu não é
prêmio só após a morte — é meta diária de quem busca viver “escondido com
Cristo em Deus”, como diria Santa Elisabete da Trindade.
Como nossos santos carmelitas nos recordam, não se sobe a
Deus correndo, mas queimando: queimando as vaidades, os desejos desordenados, a
vontade própria. A Ascensão é subida do coração ao Alto, mesmo que os pés
permaneçam no chão da lida cotidiana.
“Subiu ao Céu” — e nos chama. Cada alma é um Carmelo em
construção, um monte a ser escalado. E o Cristo, glorioso, é a meta e o
impulso. A Ascensão é Ele dizendo: “Vem!”.
📖 Evangelho – Marcos 16, 14-20
(conforme o Missal Romano de 1957,
com base na Vulgata, na tradução tradicional em português. Esse
Evangelho é o mesmo do ciclo tridentino e aparece também no Missal de João
XXIII (1962) — usado nas celebrações em forma tradicional)
Naquele tempo: Jesus apareceu aos Onze, quando estavam à
mesa, e censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração, porque não deram
crédito aos que O tinham visto ressuscitado.
E disse-lhes: «Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a
toda criatura. Quem crer e for batizado, será salvo; quem, porém, não crer,
será condenado.
Eis os milagres que acompanharão os que crerem: em meu nome
expulsarão demônios, falarão novas línguas, pegarão em serpentes, e se beberem
alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; imporão as mãos sobre os
enfermos e eles serão curados.»
E o Senhor Jesus, depois que lhes falou, foi elevado ao
Céu e está sentado à direita de Deus.
Quanto a eles, saíram e pregaram por toda parte, colaborando
com eles o Senhor, e confirmando a palavra com os milagres que a acompanhavam.
℟. Laus tibi, Christe.
🕯️ Meditação Carmelita: A Ascensão e o Êxodo da Alma
A alma que contempla Cristo subindo aos Céus não apenas o
observa com os olhos: é convidada a subir com Ele. A Ascensão é um movimento
vertical da Graça, um chamado silencioso à elevação interior. É o clímax da
Encarnação, mas também o prenúncio da nossa união definitiva com Deus. No
Carmelo, essa verdade é mais do que dogma: é caminho de vida.
Disse Santa Teresa de Jesus:
“A alma sente-se como que alçada, arrebatada, como se já não andasse neste mundo.” (Livro da Vida, cap. 20)
Isso não é exagero poético — é doutrina vivida. A alma
carmelita é uma alma em ascensão, não no sentido triunfalista, mas no
realismo da cruz e do esvaziamento. Cristo não subiu sem antes descer até o
extremo da dor e do abandono. Assim também a alma: antes de subir, deve
descer até a raiz da humildade.
São João da Cruz, em sua obra magna A Subida do Monte
Carmelo, nos ensina que o caminho da união com Deus é feito de purificação,
silêncio e aniquilamento da vontade própria. Ele escreve:
“Para chegar a gozar de tudo, não queiras ter gosto em coisa alguma. Para chegar a saber tudo, não queiras saber coisa alguma.” (Subida, Livro I, cap. 13)
Cristo, na Ascensão, renuncia até à presença sensível
junto aos discípulos. Dá-lhes a ausência como forma de amadurecimento na
fé. A mesma pedagogia Ele usa conosco: desaparece aos sentidos, para que o
busquemos no Espírito. O carmelita sabe bem disso: quanto mais escuro parece o
caminho, mais verdadeiro ele é, pois Deus habita a nuvem, como no Sinai.
Santa Maria Madalena de Pazzi dizia:
“O Senhor atrai a alma ao alto como o sol atrai a flor ao seu calor.”
É o magnetismo da Glória que puxa a alma que ama. Não é
esforço humano que sobe, é Graça que eleva. Mas para isso, a alma
precisa deixar os pesos: paixões, apegos, ruídos. A Ascensão é também uma
escola de desapego.
E Santa Elisabete da Trindade completa essa mística com sua
fórmula quase perfeita:
“A Trindade habita em nós, mas é preciso subir até ela no silêncio interior.” (Medit. 3, Retiro dos 8 Dias)
Aqui está o Carmelo: um monte a ser subido, mas onde se sobe
abaixando-se. Um caminho de êxodo contínuo: sair de si para entrar no Coração
de Deus. A Ascensão é o grito de Cristo que ecoa nas entranhas da alma: “Vem,
sobe comigo. Onde estou, quero que também estejas.”
E o carmelita responde com São João da Cruz:
“Rompe já o véu deste doce encontro.” (Cântico Espiritual, 11, 6)
📚 Referências
- São
João da Cruz, A Subida do Monte Carmelo, ed. Vozes, 2006.
- Santa
Teresa de Jesus, Livro da Vida, ed. Carmelo, 1999.
- Santa
Maria Madalena de Pazzi, Colóquios Espirituais, ed. Paulus, 2010.
- Santa
Elisabete da Trindade, Obras Completas, ed. OCD, 2012.
- Missal
Romano, edição típica de 1957 (tradução brasileira).