O Silêncio da Promessa

A ascensão, por Benjamin West

Domingo depois da Ascensão
1 de junho de 2025

📜 Introdução

Depois da Ascensão, os discípulos ficam suspensos entre céu e terra, num intervalo marcado pelo silêncio. Não é um silêncio vazio, mas carregado de promessa. Cristo sobe, mas não nos abandona. Ele nos prepara para o envio do Espírito. É o tempo da espera fiel, da fé purificada, da confiança que atravessa a noite da ausência aparente. Aqui, o Carmelo nos ensina a habitar o silêncio, a escutar o sussurro da promessa, a transformar o vazio em espaço para Deus.

📖 Evangelho João 15, 26-27; 16, 1-4, (tradução do Missal de 1957)

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Quando vier o Paráclito, que Eu vos hei de enviar de junto do Pai, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, Ele dará testemunho de Mim. E também vós dareis testemunho, porque estais comigo desde o princípio. Disse-vos estas coisas, para que não vos escandalizeis. Expulsar-vos-ão das sinagogas; e virá o tempo em que todo aquele que vos matar julgará prestar serviço a Deus. E assim farão, porque não conheceram nem ao Pai nem a Mim. Mas Eu vos disse estas coisas, para que, quando chegar a hora, vos lembreis de que vo-las tinha dito.”

🌿 Meditação Carmelita

O Domingo depois da Ascensão é um convite brutal à fé nua. Cristo, que antes caminhava com os discípulos, agora desapareceu aos olhos. É como se Deus se retirasse para nos provar, mas não com sadismo — Ele nos treina para um amor mais puro, livre de dependências sensíveis. São João da Cruz fala dessa etapa como o momento em que Deus “desnuda” a alma para que ela aprenda a amar pelo que Ele é, não pelo que Ele dá.

Nesse intervalo entre Ascensão e Pentecostes, vive-se um paradoxo: ausência cheia de presença. Ele não está, mas promete vir. Ele some, mas Sua Palavra ecoa. Ele cala, mas a promessa vibra no coração. É aqui que o Carmelo encontra o terreno fértil da “solidão fecunda”, onde o aparente abandono gera intimidade.

Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) nos lembra que “quanto mais escuro fica ao redor, mais devemos abrir o coração à luz do alto.” Ou seja, é no silêncio e na obscuridade que a alma se dilata, se torna cenáculo interior, espaço onde o Espírito poderá habitar. Não é à toa que o Carmelo ama essa tensão: entre a fome e a saciedade, entre a ausência e a posse, entre o já e o ainda não.

Pastoralmente, é um tapa de realidade:

➡️ O testemunho cristão não espera condições ideais. Ele floresce no meio das perseguições, das dúvidas, dos fracassos aparentes.

➡️ O Espírito Santo não vem a corações inchados de si mesmos, mas a corações humildes, silenciosos, esvaziados.

➡️ A Igreja, como Maria no Cenáculo, deve aprender a habitar o “entre-tempo”, esse espaço entre promessa e cumprimento, sem se perder no desânimo nem na pressa.

O próprio Profeta Elias, nosso pai no Carmelo, viveu essa pedagogia divina. No Horeb, ele não encontrou Deus no vento, nem no terremoto, nem no fogo, mas no “murmúrio suave”. É o Deus escondido, que vem no silêncio, que age invisivelmente. Elias nos ensina a discernir a presença de Deus não nos grandes sinais, mas no recolhimento, na espera vigilante, na oração perseverante.

Como Santa Elisabeth da Trindade resume de forma genial: “O silêncio é o modo mais alto de escuta. Quando a alma se cala, Deus fala.” E o que Ele fala neste domingo? Que Pentecostes está à porta, mas só virá para os que estiverem atentos, vigilantes, sedentos.

Assim, esse domingo é quase um treino espiritual:

– Aprender a suportar o silêncio de Deus sem perder a esperança.

– Abrir espaço interior, desmontando ídolos e distrações.

– Cultivar a memória das promessas divinas, como quem guarda brasas sob a cinza.

– Perseverar no testemunho mesmo sob perseguição, sabendo que o Espírito virá reforçar nossa fraqueza.

E no fundo, Ir. Alan, não é isso a essência do Carmelo? Ser sentinelas da aurora, vigias que, mesmo no escuro, sabem que o sol vai nascer.

Ir. Alan Lucas de Lima, OTC
Carmelita Secular da Antiga Observância 

📚 Referências bibliográficas

  • São João da Cruz, A Noite Escura, ed. Vozes, tradução Pe. Dorival Rosa, Petrópolis. 
    (Trecho trabalhado: a alma desnuda na noite da fé, Livro II, cap. 4–7.)
  • Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), A Ciência da Cruz, ed. Paulus, tradução Pe. Marcelo Barros, São Paulo. (Citação aproximada: reflexão sobre a luz divina em meio às trevas, Parte III.)
  • Santa Elisabeth da Trindade, Eleve-se o Meu Espírito, ed. Carmelo, tradução Irmãs Carmelitas, Braga. (Frase adaptada: “O silêncio é o modo mais alto de escuta”, cf. Últimos Escritos, Carta 252.)
  • Livro dos Reis, Bíblia Sagrada, I Rs 19,11-13. (Referência: encontro de Elias com Deus no Horeb, no murmúrio suave.)
  • Missal Romano de 1957, Liturgia do Domingo depois da Ascensão do Senhor. (Evangelho: Jo 15,26-27; 16,1-4.)