A Carne de Deus no Carmelo: Alimento dos Contemplativos
Festa do Corpo de Deus
19 de junho de 2025
🪔 Introdução brevíssima
No Carmelo, tudo se curva diante do Mistério. A alma
contemplativa não se contenta com símbolos: ela quer a Presença. E na
Eucaristia, Deus não apenas Se mostra, mas Se dá. Ele é comido. A carne
que nos salva é a mesma que nos alimenta. A hóstia é o sustento do eremita, o
consolo da freira em clausura, o ardor escondido do secular no meio do mundo, a
força dos que vivem o apostolado ativo e o fogo do profeta, a brisa do
silencioso. Quando Cristo diz: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
permanece em mim e eu nele”, Ele declara o princípio da vida mística:
habitar em Deus. E o Carmelo responde com sua própria carne: jejum, clausura,
silêncio, adoração. Comer o Verbo é deixar que Ele nos mastigue de volta, até
que sejamos totalmente d’Ele.
📜 Evangelho segundo São João 6, 56-59 (Tradução 1957, edição litúrgica tradicional em português)
Naquele tempo: Disse Jesus às turbas dos judeus: A minha
carne é verdadeiramente comida, e o meu sangue é verdadeiramente bebida. O que
come a minha carne e bebe o meu sangue fica em Mim e Eu nele. Assim como Me
enviou o Pai, que vive e Eu vivo pelo Pai, assim o que Me comer a Mim, esse
mesmo também viverá por Mim. Este é o pão que desceu do Céu. Não como os vossos
pais, que comeram o maná e, não obstante, morreram. O que come deste pão viverá
eternamente.
🕯️ Meditação Carmelita
A alma carmelita não vive senão da Presença. E a Presença
não é uma ideia reconfortante, mas uma Pessoa viva, escondida na fragilidade do
pão. A Eucaristia é o ápice da vida contemplativa: é Deus que se deixa tocar,
comer, habitar. É o altar que se torna leito nupcial. Santa Teresa de Jesus
confessa: “Depois de comungar, o Senhor me fazia entender grandes coisas...
era como se o Senhor me colocasse fogo nas entranhas” (Vida, cap. 38).
São João da Cruz, em sua linguagem toda simbólica e ardente,
fala do Banquete do Amado, onde a alma é introduzida ao “vinho novo” da
união com Deus. Mas esse vinho é sangue — sangue e carne, doados no altar. Para
ele, a Eucaristia é o ponto mais alto do “conhecimento amoroso” da alma.
Santa Maria Madalena de Pazzi dizia em êxtase: “Se os
homens soubessem o que é a Eucaristia, correriam ao altar como correm à fonte
da vida.” E ela, que passava horas em levitação depois da Comunhão, mostra
o que acontece quando o Verbo se faz carne dentro de uma alma: ela se torna
altar viva.
A Eucaristia é o pão dos eremitas. Não há Carmelo sem altar,
não há altar sem sacrifício. A carne que comemos é carne imolada. É por isso
que a contemplação carmelitana é sempre marcada pela cruz: jejum, solidão,
vigília. Não porque despreza a carne, mas porque a carne já foi ressignificada
pelo Corpo de Cristo.
Santa Teresa Margarida Redi, carmelita descalça, dizia: “Quero
ser um sacrário vivo, onde Jesus habite, ainda que escondido, ainda que
esquecido, mas amado.” Eis o caminho do Carmelo: tornar-se um prolongamento
da Eucaristia. Ser pão partido para os outros, vinho derramado em silêncio.
A carne de Deus não é apenas adorada, mas assumida, vivida,
assimilada. No Carmelo, a vida eucarística é a própria vida mística. Quem come
a carne de Deus aprende a dar a própria carne — em oração, em trabalho
escondido, em amor silencioso. O altar é o coração do Carmelo. E a alma, quando
comunga, torna-se altar também.
📚 Referências Bibliográficas
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Parte III, questões
73-83. Tradução e notas conforme edição tradicional.
JOÃO DA CRUZ, São. Cântico Espiritual. Trad. e notas
conforme edições clássicas carmelitanas.
MARIA MADALENA DE PAZZI, Santa. Colóquios e êxtases.
Compilação a partir dos manuscritos do convento de Santa Maria degli Angeli,
Florença.
MISSAL ROMANO. Missal Romano Tradicional. Edição
típica de 1957.
TERESA DE JESUS, Santa. Livro da Vida. Edição
clássica carmelitana.
TERESA MARGARIDA REDI, Santa. Cartas e Escritos
Espirituais. Compilação do Mosteiro de Florença, ed. carmelitana.