A Carne de Deus no Carmelo: Alimento dos Contemplativos

COELLO, Claudio. Adoração da Sagrada Eucaristia. 1685. Óleo sobre tela. Mosteiro de El Escorial, Sacristia Maior, Madri, Espanha.

Festa do Corpo de Deus
19 de junho de 2025

🪔 Introdução brevíssima

No Carmelo, tudo se curva diante do Mistério. A alma contemplativa não se contenta com símbolos: ela quer a Presença. E na Eucaristia, Deus não apenas Se mostra, mas Se dá. Ele é comido. A carne que nos salva é a mesma que nos alimenta. A hóstia é o sustento do eremita, o consolo da freira em clausura, o ardor escondido do secular no meio do mundo, a força dos que vivem o apostolado ativo e o fogo do profeta, a brisa do silencioso. Quando Cristo diz: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele”, Ele declara o princípio da vida mística: habitar em Deus. E o Carmelo responde com sua própria carne: jejum, clausura, silêncio, adoração. Comer o Verbo é deixar que Ele nos mastigue de volta, até que sejamos totalmente d’Ele.

📜 Evangelho segundo São João 6, 56-59 (Tradução 1957, edição litúrgica tradicional em português)

Naquele tempo: Disse Jesus às turbas dos judeus: A minha carne é verdadeiramente comida, e o meu sangue é verdadeiramente bebida. O que come a minha carne e bebe o meu sangue fica em Mim e Eu nele. Assim como Me enviou o Pai, que vive e Eu vivo pelo Pai, assim o que Me comer a Mim, esse mesmo também viverá por Mim. Este é o pão que desceu do Céu. Não como os vossos pais, que comeram o maná e, não obstante, morreram. O que come deste pão viverá eternamente.

🕯️ Meditação Carmelita

A alma carmelita não vive senão da Presença. E a Presença não é uma ideia reconfortante, mas uma Pessoa viva, escondida na fragilidade do pão. A Eucaristia é o ápice da vida contemplativa: é Deus que se deixa tocar, comer, habitar. É o altar que se torna leito nupcial. Santa Teresa de Jesus confessa: “Depois de comungar, o Senhor me fazia entender grandes coisas... era como se o Senhor me colocasse fogo nas entranhas” (Vida, cap. 38).

São João da Cruz, em sua linguagem toda simbólica e ardente, fala do Banquete do Amado, onde a alma é introduzida ao “vinho novo” da união com Deus. Mas esse vinho é sangue — sangue e carne, doados no altar. Para ele, a Eucaristia é o ponto mais alto do “conhecimento amoroso” da alma.

Santa Maria Madalena de Pazzi dizia em êxtase: “Se os homens soubessem o que é a Eucaristia, correriam ao altar como correm à fonte da vida.” E ela, que passava horas em levitação depois da Comunhão, mostra o que acontece quando o Verbo se faz carne dentro de uma alma: ela se torna altar viva.

A Eucaristia é o pão dos eremitas. Não há Carmelo sem altar, não há altar sem sacrifício. A carne que comemos é carne imolada. É por isso que a contemplação carmelitana é sempre marcada pela cruz: jejum, solidão, vigília. Não porque despreza a carne, mas porque a carne já foi ressignificada pelo Corpo de Cristo.

Santa Teresa Margarida Redi, carmelita descalça, dizia: “Quero ser um sacrário vivo, onde Jesus habite, ainda que escondido, ainda que esquecido, mas amado.” Eis o caminho do Carmelo: tornar-se um prolongamento da Eucaristia. Ser pão partido para os outros, vinho derramado em silêncio.

A carne de Deus não é apenas adorada, mas assumida, vivida, assimilada. No Carmelo, a vida eucarística é a própria vida mística. Quem come a carne de Deus aprende a dar a própria carne — em oração, em trabalho escondido, em amor silencioso. O altar é o coração do Carmelo. E a alma, quando comunga, torna-se altar também.

Ir. Alan Lucas de Lima, OTC
Carmelita Secular da Antiga Observância

📚 Referências Bibliográficas

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Parte III, questões 73-83. Tradução e notas conforme edição tradicional.

JOÃO DA CRUZ, São. Cântico Espiritual. Trad. e notas conforme edições clássicas carmelitanas.

MARIA MADALENA DE PAZZI, Santa. Colóquios e êxtases. Compilação a partir dos manuscritos do convento de Santa Maria degli Angeli, Florença.

MISSAL ROMANO. Missal Romano Tradicional. Edição típica de 1957.

TERESA DE JESUS, Santa. Livro da Vida. Edição clássica carmelitana.

TERESA MARGARIDA REDI, Santa. Cartas e Escritos Espirituais. Compilação do Mosteiro de Florença, ed. carmelitana.