Entre peixes e pecadores: nasce a Igreja
4º Domingo
depois de Pentecostes
6 de julho de
2025
📜 Introdução
No 4º Domingo
depois de Pentecostes, contemplamos Jesus chamando pescadores comuns para uma
missão extraordinária: fundar a Igreja. Entre peixes e pecadores, Deus escolhe
operar o milagre da graça, mostrando que o Reino nasce na fragilidade humana e
na confiança obediente. Nesta cena, percebemos o convite divino para deixar o
velho e navegar rumo às águas profundas da fé e da missão. Aqui, entre redes
vazias e corações dispostos, começa a história da Igreja.
Evangelho segundo São Lucas 5,1–11: tradução de 1957
Naquele tempo:
Estando Jesus junto ao lago de Genesaré, o povo se comprimia ao redor d’Ele
para ouvir a palavra de Deus. Vendo duas barcas paradas junto à margem do lago
— os pescadores haviam descido delas e lavavam as redes — subiu a uma das
barcas, que era a de Simão, e pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra.
Sentando-se, ensinava da barca o povo.
Quando acabou de
falar, disse a Simão: “Faze-te ao largo e lançai as vossas redes para pescar.”
Simão respondeu: “Mestre, trabalhamos toda a noite e nada apanhamos; mas, sobre
a tua palavra, lançarei a rede.”
E, fazendo assim,
apanharam tão grande quantidade de peixes, que a rede se rompia. Acenaram aos
companheiros da outra barca, para que viessem ajudá-los. E vieram, e encheram
ambas as barcas, de modo que quase afundavam.
Vendo isto, Simão
Pedro prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: “Afasta-Te de mim, Senhor, porque
sou um homem pecador!” Pois o espanto se apoderara dele e de todos os que com
ele estavam, por causa da pesca que haviam feito. E o mesmo aconteceu com Tiago
e João, filhos de Zebedeu, companheiros de Simão.
Jesus disse a
Simão: “Não temas: de agora em diante serás pescador de homens.” E, levando as
barcas para terra, deixaram tudo e O seguiram.
🕯️Meditação Carmelita: “Entre peixes e
pecadores: nasce a Igreja”
A cena é simples:
homens cansados, redes vazias, o silêncio do lago na madrugada. O trabalho duro
da noite, o fracasso que pesa no corpo e na alma. E então Ele chega — Jesus, o
carpinteiro da Galileia, que não despreza nem a rotina mais humilde, nem a fadiga
mais crua. Entra na barca, senta e fala. Como na vida do Carmelo, onde a
aparente quietude esconde a tempestade do espírito, ali também o mistério do
Reino começa a se revelar no silêncio da obediência.
Pedro, que logo
vai se tornar pedra, é antes um homem comum, cheio de dúvidas, pecador
consciente — ele até pede que Jesus se afaste, tamanha a consciência da sua
miséria. Que lição para nós, almas carmelitas! O caminho do encontro com Deus
não é em nossa pretensa justiça, mas no reconhecimento humilde da própria
limitação. Santa Teresa de Ávila já ensinava que “é necessário estar em paz com
a própria miséria para poder avançar na graça.” Não fugimos da nossa
fragilidade, mas a colocamos diante do Senhor, onde ela se transforma.
A ordem de Jesus
para lançar as redes — mesmo depois da pesca vazia da noite inteira — é o
chamado para confiar contra toda lógica humana. Duc in altum! Navegar
para águas mais profundas, onde só a fé segura as mãos, onde só o Espírito
sopra forte. São João da Cruz, em seu poema “No meio do caminho”, fala da noite
escura da alma que antecede a luz da união divina. A barca dos pescadores é a
barca da Igreja, feita de fraquezas, dúvidas e esperança, onde a graça quebra
as redes vazias e traz a abundância.
O chamado a ser
“pescador de homens” é convite para a missão que nasce da contemplação e da
entrega, do mistério e do serviço. Não é uma aventura heróica, mas uma
fidelidade humilde, um abandono que só pode ser fruto de encontro profundo com
Aquele que chama. Elias, o profeta que, no Carmelo, simboliza o fogo interior,
foi chamado no silêncio, no vento suave, não no estrondo. Assim também somos
chamados — no silêncio das redes, na aparente inutilidade do nosso esforço,
Deus age e transforma.
Hoje, neste 4º
Domingo depois de Pentecostes, somos convidados a olhar para as nossas próprias
redes vazias, para as nossas fraquezas e para os momentos em que a esperança
parece ter morrido. E, como Pedro, reconhecer: “Senhor, afasta-te de mim,
porque sou pecador.” Não para nos afastar, mas para que Ele, misericordioso,
venha nos transformar.
Na barca da
Igreja, cada um de nós é chamado a lançar a rede da obediência e da fé, mesmo
quando a lógica humana grita que tudo está perdido. Porque é entre peixes e
pecadores, entre o ordinário e o divino, que nasce a Igreja — viva, pulsante,
guiada pelo Espírito, sempre pronta para o milagre.
“Em ti, Senhor,
coloco minha confiança, que não se envergonhe o meu coração.” (Salmo 25)
Referências bibliográficas
ÁVILA, Teresa de. O castelo interior ou Moradas. Tradução de Maria José Cyhlar Monteiro. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1999.
CRUZ, João da. Noite escura. Tradução de Ivo Storniolo. 9. ed. São Paulo: Paulus, 2001.
Lefebvre, Gaspart, Dom. Missal Quotidiano: texto em latim-português: segundo as rubricas do Missale Romanum de 1962. Niteroí: Permanência, 2023.
SANTOS DO CARMELO. Compilação de escritos e meditações da Antiga Observância e do Carmelo Descalço. [S.l.]: [s.n.], c. século XVI–XX.